Arábia Saudita está assumindo o controle do automobilismo elétrico

A Arábia Saudita vem ganhando destaque no cenário esportivo mundial, gerando discussões sobre suas motivações. O investimento de US$ 2 bilhões em um novo torneio de golfe para rivalizar com o PGA Tour e a aquisição de 80% do Newcastle United por US$ 372 milhões são alguns exemplos. Mas é na eletromobilidade que o país árabe parece estar fazendo uma aposta importante, tornando-se protagonista com a parceria “Electric 360”.

Diversificação além do petróleo: a chave para o futuro

O interesse da Arábia Saudita em corridas de carros elétricos vai além da paixão pelo esporte. O reino busca diversificar sua economia, historicamente dependente do petróleo, investindo em setores emergentes e sustentáveis. O “Electric 360” reúne três séries de automobilismo elétrico: Fórmula E, Extreme E e E1, abrangendo diferentes conceitos e locais de competição.

“O plano geral para o Electric 360 é a diversificação”, afirma Alejandro Agag, fundador das três séries e responsável pela negociação da parceria. “As pessoas podem achar paradoxal que um país do petróleo patrocine o elétrico, mas é exatamente isso que eles buscam”.

O príncipe saudita Khalid Bin Sultan Al-Abdullah Al-Faisal, presidente da Federação Saudita de Automóveis e Motocicletas, reforça a ligação entre o automobilismo elétrico e a “Visão 2030”, plano estratégico do reino para reduzir a dependência do petróleo. “Não é saudável para a Arábia Saudita confiar apenas no petróleo como principal fonte de renda. É por isso que nosso primeiro evento internacional foi a Fórmula E, enviando uma mensagem de que estamos pensando no futuro e nas energias alternativas”.

Acusações de “greenwashing” e “sportwashing”

Críticas sobre “greenwashing” e “sportwashing” apontam que a Arábia Saudita usa o investimento em iniciativas sustentáveis e eventos esportivos para melhorar sua imagem global. Agag rebate: “Estamos fazendo exatamente o oposto do greenwashing. Estamos promovendo a inovação no transporte que faz a diferença real. Quem acusa de greenwashing não faz nada concreto. Apenas gritam e reclamam. Deixe-os fazer isso. Eles pensam que estão fazendo algo, mas estão fazendo o contrário”.

Quanto ao “sportwashing”, o príncipe Khalid argumenta que o objetivo é oferecer entretenimento aos cidadãos sauditas e contribuir para o desenvolvimento do país. “A Arábia Saudita está mudando de uma dependência exclusiva da renda do petróleo para investir em esportes ou turismo. As iniciativas verdes são uma grande parte disso. Ao contrário, ficaríamos para trás e não poderíamos desenvolver nosso país”.

Influência financeira e futuro do automobilismo

Não há informações oficiais sobre o valor do investimento saudita no “Electric 360”, mas o aporte financeiro pode trazer compromissos. “A palavra certa não é ‘influência’, mas sim o quanto esse apoio significa e o quão crucial é para cada campeonato”, esclarece Agag. “Se olharmos para a Fórmula E, temos muitos parceiros e patrocinadores, então o Electric 360 é importante, mas está entre um plantel já muito bom”.

Com a transição do Extreme E para Extreme H em 2025, surgem preocupações sobre a mudança das baterias para hidrogênio e a possível influência da indústria do petróleo. “Somos uma empresa”, diz Agag. “Também temos parcerias comerciais com a Suíça. Ninguém vai poder correr de graça”.

Embora o hidrogênio possa ter pouco impacto no transporte em países desenvolvidos, o Extreme E vem mostrando seu potencial para geração de energia off-grid. O “Electric 360” também visa contribuir com a educação e conscientização ambiental, principalmente na Arábia Saudita.

Além do petróleo: energia renovável e ambições globais

“Queremos manter nossa posição como um dos maiores fornecedores de energia”, afirma o príncipe Khalid. “Estamos abertos para pensar no futuro e ver qual é a melhor tecnologia. Temos grandes planos, sejam solares, hidrogênio ou outras alternativas. Isso terá um grande papel na nossa economia”.

A diversificação é fundamental para a Arábia Saudita enfrentar o declínio da indústria do petróleo. “Quando o petróleo não tiver mais utilidade, a Arábia Saudita terá outras coisas”, prevê Agag. “O Sheik Yamani, ministro do Petróleo durante a primeira grande crise do petróleo em 1973, disse muito bem: a Era do Petróleo não terminará quando acabar o petróleo, assim como a Idade da Pedra não acabou porque ficamos sem pedra. Haverá tecnologias melhores do que usar petróleo, e é quando a Era do Petróleo vai acabar. Quando algo for mais barato e melhor, sem usar petróleo, vamos usar isso. Mas o combustível é apenas um dos usos do petróleo. Ele tem muitos outros, como plásticos e estradas. Estamos focados mundialmente na transformação da mobilidade, mas com esses outros aspectos não estamos tão avançados”.

A Arábia Saudita já possui planos ambiciosos para energia renovável, com previsão de mais de 15GW de produção em 2024, principalmente solar. O objetivo é atingir 130GW até 2030, superando em muito a demanda interna e permitindo exportação de energia ou derivados como hidrogênio e amônia.

“A médio e longo prazo, a Arábia Saudita quer continuar sendo uma superpotência energética, mesmo depois que o petróleo não for mais necessário”, declara Agag.

“O automobilismo elétrico se encaixa nessa visão, porque a indústria global está migrando para carros elétricos e as regulamentações em muitos países proibirão veículos a combustão em um futuro próximo”, afirma o príncipe Khalid. “Acreditamos que a eletricidade será a escolha dominante após 2030, e todas as grandes fabricantes estão investindo fortemente na eletrificação. Será o caminho pelos próximos 20 ou 30 anos, a menos que o hidrogênio ou outra tecnologia se prove mais viável e sustentável”.

O “Electric 360” parece uma adição sensata aos planos da Arábia Saudita para a Visão 2030, beneficiando também o resto do mundo. Se o automobilismo realmente influencia questões globais importantes, o aporte financeiro saudita pode ajudar a direcionar o transporte para um caminho mais sustentável. Não há evidências de que o “Electric 360” seja uma aquisição hostil do automobilismo elétrico ou tenha segundas intenções, como forçar totalmente os EVs para o hidrogênio. Na verdade, pode ser uma ótima notícia para o combate às mudanças climáticas, pois sem forte apoio comercial, novas tecnologias ambientais não podem vencer.

“Se você perguntar a alguém sobre a Arábia Saudita, eles vão te dizer duas coisas: petróleo e camelos”, conclui o príncipe Khalid. “Agora, seremos vistos por muitas outras coisas”.

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